segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O inominável atual

1) Roberto Calasso divide seu último livro (L'innominabile attuale) em três partes: "Turistas e terroristas", "A Sociedade Vienense de Gás" e "Avistamento das Torres". As duas primeiras partes regulam de extensão (70, 80 páginas), mas a terceira é brevíssima, apenas o resgate de uma anotação de Baudelaire, um sonho ou visão, em um papel que Calasso declara como "indatável". Nessa anotação, Baudelaire diz ter visto a queda de uma torre, um enorme edifício, queda essa ignorada pelas "nações" (Calasso faz o paralelo com as Torres Gêmeas e o 11 de setembro e encerra o livro).
2) Na primeira parte do livro, Calasso tenta dissecar a categoria do Homo saecularis, ou ainda, a presença do secularismo na sociedade moderna, as relações possíveis entre as categorias sociais e as categorias religiosas e como essa tensão permanece e se intensifica hoje (especialmente nesse confronto do título, "turistas e terroristas", aqueles que cultivam a mobilidade e aqueles que abominam a mobilidade - seja dos corpos, seja dos costumes). "Homo saecularis é inevitavelmente turista", escreve Calasso, e continua: "Não apenas quando viaja. Zapping e link formam uma vasta parte de sua vida mental. São operações pré-existentes, que um dia alcançaram a configuração indicada nos dois termos. Bouvard e Pécuchet já as praticavam, sem necessidade de recorrer a qualquer suporte técnico" (p. 62).
3) A segunda parte é uma espécie de Livro das Passagens, de Benjamin, em miniatura: uma coleção de citações (mas comentadas e editadas). "Não são lembranças", escreve Calasso de introdução, "Mas de palavras escritas, publicadas, ditas, referidas, registradas nos dias entre o início de janeiro de 1933 e maio de 1945. Todas as imagens daqueles anos, de qualquer proveniência, exalam algo de hipnótico. Foi o auge do preto e branco, no cinema e na vida. Quando aparece o technicolor, parece uma alucinação. Era como se o tempo tivesse formado uma espiral cada vez mais estreita, que terminava em um estreitamento" (p. 95). Das várias fontes disponíveis, Calasso seleciona, por exemplo, os diários de Ernst Jünger (o momento em fica sabendo dos campos de extermínio) e de André Gide (sua insistente defesa de Hitler e Stálin), as cartas de Benjamin e de Céline (suas amantes, sua fuga), as cartas de Beckett escritas durante sua viagem de meses através da Alemanha em 1936.

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