segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Problema no paraíso, 1

O jogo de paradoxos de Zizek tem como um de seus precursores o estudo conjunto de Adorno e Horkheimer, a Dialética do Esclarecimento. Inclusive a ideia da Igreja como a principal potência anticristã em atividade - Zizek cita a autocoroação de Napoleão e aquilo que o Papa Pio VII teria dito a ele: o senhor quer destruir a Igreja mas não vai conseguir: nós estamos tentando há séculos - foi levantada por Adorno e Horkheimer no "Excurso II", sobre Kant, Nietzsche e Sade. A obra deste último, no que tange à religião, afirmam os autores, "tira as consequências que a burguesia queria evitar", ou seja, "amaldiçoa o catolicismo, no qual vê a mitologia mais recente e, com ele, a civilização em geral". Sade, contudo, redireciona energias latentes, que já estão ali: Juliette, de Histoire de Juliette, ou les Prospérités du vice (publicado em 1801), "se dedica esclarecidamente, diligentemente, à faina do sacrilégio, que os católicos também tem no sangue desde tempos arcaicos".
Juliette professa "o gosto intelectual pela regressão", ou ainda, ""o prazer de derrotar a civilização com suas próprias armas" (uma fórmula que evoca aquela usada por Adorno e Horkheimer no prefácio de 1969 ao livro: "Crítica da filosofia que é, não quer abrir mão da filosofia", que por sua vez evoca outra do prefácio de 1944: "A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objeto a investigar: a autodestruição do esclarecimento"). Juliette, à maneira de Zizek, se diverte caçando incoerências nos discursos estabelecidos - especialmente o religioso: "nada é mais cômico do que essa incoerência do dicionário católico: Deus, que quer dizer eterno; morto, quer dizer não eterno - Cristo, o Deus morto!" (Adorno e Horkheimer, Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Zahar, 2006, p. 81-82). 
Eles escrevem também de Juliette: "Ela ama o sistema e a coerência", o que faz pensar em palavras recentes de Gayatri Chakravorty Spivak em entrevista, ao falar da desconstrução como uma crítica da "intimidade" e não da "distância": It’s critical intimacy, not critical distance. So you actually speak from inside. That’s deconstruction. My teacher Paul de Man once said to another very great critic, Fredric Jameson, “Fred, you can only deconstruct what you love.” Because you are doing it from the inside, with real intimacy. You’re kind of turning it around. It’s that kind of critique.

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