segunda-feira, 2 de maio de 2016

Uma página de Hegel

Gostaria que aqueles que criticam Gide por suas contradições (sua recusa a escolher como todos) se lembrassem desta página de Hegel: "Para o senso comum, a oposição entre verdadeiro e falso é algo fixo; ele espera que se aprove ou que se rejeite em bloco um sistema existente. Não concebe a diferença entre os sistemas filosóficos como o desenvolvimento progressivo da verdade; para ele, diversidade quer dizer unicamente contradição [...] O espírito que apreende a contradição não sabe libertá-la e conservá-la em sua unilateralidade, e reconhecer, na forma daquilo que parece entrechocar-se e contradizer-se, momentos mutuamente necessários." (Barthes, "Notas sobre André Gide e seu Diário" (1942), Inéditos, vol. 2 - Crítica, trad. Ivone Benedetti, Martins Fontes, 2004, p. 6-7).
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Dante, na sua implícita contradição com Santo Tomás, antecipa em quase dois séculos o que podemos definir como uma verdadeira "ruptura epistemológica". O que ainda torna Dante medieval é o fato de que ele continue a crer que a poesia não tenha significados infinitos e indefinidos [...] Justamente no momento em que as ciências naturais encaminham-se para se tornar sempre mais quantitativas, e Aristóteles parecia não ter mais nada a dizer, aparece na cena européia o Corpus Hermeticum e sob esta influência, somada à da Cabala e de uma alquimia a essa altura já praticada en plein air, os novos filósofos do neoplatonismo florentino começam a explorar uma nova floresta simbólica [...] Os medievais, porém, embora praticassem a credulidade, tinham contudo uma noção muito precisa da discriminação entre opostos [...] O pensamento hermético, ao contrário, sendo não agnóstico e sim gnóstico, respeita a sabedoria tradicional no seu conjunto, pois até mesmo onde há contradição entre duas ou mais assunções, cada uma delas pode produzir uma parte da verdade, sendo a verdade um conjunto de um campo contrastante de ideias" (Umberto Eco, "A Epístola XIII, o alegorismo medieval, o simbolismo moderno" (1984), Sobre os espelhos e outros ensaios, trad. Beatriz Borges, Nova Fronteira, 1989, p. 226; 228).
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A maioria das proposições e questões que se formulam sobre temas filosóficos não são falsas, mas contra-sensos. Por isso, não podemos de modo algum responder a questões dessa espécie, mas apenas estabelecer seu caráter de contra-senso. A maioria das questões e proposições dos filósofos provém de não entendermos a lógica de nossa linguagem. (Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus (1921), trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos, Edusp, 2010, p. 165 (proposição 4.003)). 

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