terça-feira, 17 de novembro de 2015

Escrita, prisão

1) No prólogo que escreve a sua coletânea de ensaios Logis in einem Landhaus, Sebald avisa que são textos sobre seus autores prediletos, aqueles que colocou na mala "nos primeiros dias do outono de 1966", quando estava prestes a deixar a Suíça em direção a Manchester: uma cópia de O verde Henrique, de Gottfried Keller, outra de O amigo da família renana, de Johann Peter Hebel, e "uma cópia já meio desbeiçada" de Jakob von Gunten, de Robert Walser. Mesmo tendo lido milhares e milhares de páginas depois do encontro com esses livros, escreve Sebald, eles permanecem centrais, incontornáveis, "e se hoje tivesse que me transferir para outra ilha, eles certamente encontrariam lugar na minha bagagem".
2) Tais livros forçam sua presença na vida e na imaginação de Sebald, segundo o próprio. Ainda no prólogo, essa ideia de uma presença forçada é ampliada em direção à atividade da escrita e a posição de tal atividade na vida dos escritores em questão. "Contra o vício da escrita não parece haver remédio", escreve Sebald, acrescentando o exemplo de Rousseau, a quem também dedica um ensaio, que exilado na ilha de Saint-Pierre expressou o desejo de abandonar a escrita, "mas que continua a escrever até morrer". Esses escritores, escreve Sebald, são "prisioneiros em seus próprios mundos de palavras". E assim como Sebald aponta a ironia do fato de Rousseau procurar retirar forças de uma prisão para se livrar de outra (sem sucesso), não deixa de apontar a situação análoga em Keller - que abandona o emprego público para dedicar-se à escrita - e sobretudo em Walser - que se faz interno de um sanatório como medida contra a prisão da escrita.
3) De certa forma, é como se a prisão autoimposta desses escritores levasse Sebald a uma fidelidade inexorável de leitor, uma fidelidade imune a qualquer texto que o futuro pudesse oferecer. Ao mesmo tempo, a prisão se materializa nessa mala de viagem do jovem estudante, que seria rigorosamente a mesma se surgisse a necessidade de uma nova mudança. No ensaio sobre Walser, que faz parte dessa coletânea, Sebald escreve que "na metade de sua vida, escrever tornou-se realmente uma tarefa penosa para Walser", "É uma espécie de corveia que ele presta na mansarda do Hotel Blaues Kreuz, onde, segundo declaração dele, passa de dez a 13 horas seguidas sentado à escrivaninha todos os dias, no inverno com o capote militar e pantufas que ele próprio fez com retalhos. Fala de uma prisão da escrita, um cárcere e uma câmara de chumbo, e do perigo de perder a razão devido ao esforço ininterrupto" (tradução de José Marcos Macedo, Serrote, nº 5, p. 98).

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