terça-feira, 13 de outubro de 2015

Histórias do olho

Berthe Morisot com um buquê de violetas, 1872
1) Em seu livro sobre Manet, de 1955, Georges Bataille afirma que o pintor foi responsável pelo início da derrocada da retórica da representação na pintura. Em Manet, afirma Bataille, não há emoção, construção de ambiente, apreço pelos detalhes, em suma, não há conteúdo. A pintura é aquilo que é, um estudo de caso do olhar, um experimento - nesse sentido, a leitura técnica que Bataille faz de Manet resgata pontos de seu romance de 1928, A história do olho, que é também um exercício de distanciamento do conteúdo (a violência, o choque, os atos extremos) e exploração do olhar como fenômeno autossuficiente (e também a indiferença de Madame Edwarda).   
2) Sabe-se que a ficção de César Aira se pretende também como um ataque à retórica da representação. Aira fala de sua ficção como um tipo de máquina, que se faz sozinha, que se multiplica a partir de procedimentos de escritura. Em muitos de seus livros a história contada espelha esse gesto de multiplicação quase ao acaso. Ainda assim, são estudos de caso, histórias muitas vezes bizarras, mas que seguem um fluxo, ainda que errático. Como nas pinturas de Manet, não se reconhece com precisão o fundo, ainda que ele se anuncie. O foco de Aira também não está no conteúdo, mas na própria ocorrência da escritura. A escritura é aquilo que é. Como Bataille fala de Manet, também de Aira se pode dizer - trabalham a partir de uma "suprema indiferença".  
3) Em um dos ensaios de Olhar Escutar Ler, Lévi-Strauss fala de Rimbaud, de sua capacidade de distanciamento do conteúdo e envio à ocorrência própria da escritura. Lévi-Strauss fala da textura da escritura, de sinestesia, da possibilidade da palavra evocar cores: "Quando Rimbaud torna o a negro, isso surge, portanto, como um escândalo fonético e visual, imputável a uma vontade de provocação revelada em outros exemplos pelo poeta". E na página seguinte alcança Manet: "A respeito do retrato de Berthe Morisot com o buquê de violetas, Valéry também utilizaria o adjetivo éclatantes: 'O negro que só Manet possui [...] os espaços resplandecentes do negro intenso [...] o todo-poder desses negros'" (trad. Beatriz Perrone-Moisés, Cia das Letras, 1997, p. 101-102). Valéry e Lévi-Strauss ressaltam, portanto, esses espaços que enfatizam não o conteúdo, mas a substância que capta o olhar, que permite o olhar, que funda a história do olhar em primeiro plano.    

Um comentário:

  1. Olá Kevin! Obrigada pelo link do meu blog -- tem sempre algum solitario saindo daqui e indo pra lá! Daí vim conhecer o seu túnel e fiquei maravilhada! Quanta coisa! Obrigada por compartilhar conosco o seu gosto pela leitura, escrita e arte.

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