sábado, 26 de outubro de 2013

O dia do Juízo, 2

Nino Frank, 1904-1988
1) A edição francesa do romance de Satta, a edição lida por Chatwin, segundo sua carta para Sontag em 3 de abril de 1982, saiu pela Gallimard em 1981, com tradução de Nino Frank - Le jour du jugement -, que também traduziu do italiano ao francês autores como Cesare Pavese, Curzio Malaparte, Italo Calvino e, sobretudo, Juan Rodolfo Wilcock (Frank traduziu O caos em 1982 e O templo etrusco em 1985). Frank era escritor e crítico de cinema, sendo responsável, na década de 1940, pela criação do termo film noir - em um texto sobre o cinema norte-americano do período. 
2) Antes disso, Nino Frank - que nasceu em 1904 e morreu em 1988 - foi colaborador de Joyce em Paris: Joyce "eventualmente ia ao cinema com Nino Frank ou a ópera e operetas", escreve Richard Ellmann, e continua: "Nino Frank estava seguidamente com Joyce em 1937 porque Joyce propôs a ele traduzirem Anna Livia Plurabelle para o italiano. 'Temos que fazer o trabalho agora antes que seja tarde', disse ele. 'De momento há pelo menos uma pessoa, eu mesmo, que pode entender o que estou escrevendo. Não garanto porém que em dois ou três anos ainda serei capaz de fazer isso'. Frank protestou, tarde demais, que o gênio da língua italiana não se adequava aos trocadilhos, e que o capítulo não poderia ser traduzido. Os dois encontravam-se duas vezes por semana, por três meses. Toda a ênfase de Joyce estava novamente na sonoridade, ritmo e jogo verbal; para o sentido das coisas ele parecia indiferente e infiel, e Frank muitas vezes tinha de lembrá-lo disso. Com um descuido refinado, Joyce jogava no texto nomes de mais rios [Anna Livia é o personagem de Finnegans Wake que representa o rio]. Frank lhe falou de um soneto de Petrarca, "Non Tesin, Po, Varo, Adige e Tebro", que reunia muitos nomes de rios, e Joyce teve de vê-lo imediatamente. Uma vez refreando o arrebatamento do mestre, Frank protestou sobre uma frase que Joyce gostava, "con un fare da gradasso da Gran Sasso", porque sacrificava o ritmo original. Joyce apenas respondeu: 'Eu gosto do novo ritmo'" (James Joyce, tradução de Lya Luft, Globo, 1989, p. 861-862).  
3) Como unir todos os pontos? Nino Frank serve de mediação entre Bruce Chatwin e Salvatore Satta, entre o italiano e o francês, mas também entre a Adelphi e a Gallimard, entre a década de 1930 e a década de 1980, entre a escrita de Finnegans Wake e a leitura de Il giorno del giudizio, embaralhando tempos e geografias. E existe a semelhança de Frank com Wilcock, ambos tradutores de tantas línguas em tantas direções (do espanhol para o italiano, do alemão para o francês, do inglês para o espanhol, etc), e no ano em que Frank estava envolvido com Joyce em Paris, 1937, e traduzindo coisas para a Nouvelle Revue Française, Wilcock estava em Buenos Aires, circulando com Borges e Bioy Casares, traduzindo e escrevendo coisas para a Sur.

Nenhum comentário:

Postar um comentário