sábado, 13 de julho de 2013

Sentinelas

Freud dividiu as Conferências introdutórias à psicanálise em duas partes: as 14 primeiras lições foram proferidas no semestre de inverno de 1915-1916; as 14 lições restantes, no semestre de inverno de 1916-1917 (as Novas conferências vieram só em 1933). Na lição de número 19, sobre o recalque, Freud apresenta uma concepção espacial da consciência: o sistema do inconsciente como "um grande salão de entrada", no qual os impulsos psíquicos "se empurram uns aos outros". Junto a este salão de entrada existe uma segunda sala, menor, "a consciência". No limiar entre as duas salas, "um guarda desempenha sua função": examina os diversos impulsos psíquicos, "age como censor". O que está no salão do inconsciente deve permanecer invisível ao consciente - mas se há infiltração no limiar e se o guarda entra em ação, surge o recalcado. Entretanto, escreve Freud, "os próprios impulsos que o guarda permitiu que cruzassem o limiar, não são, também, só por causa disso, necessariamente conscientes"; serão conscientes se conseguirem chamar a atenção da consciência. A segunda sala passa então a ser o "sistema do pré-consciente". Para qualquer impulso, porém, "a destinação do recalque consiste em o guarda não lhe permitir passar do sistema do inconsciente para o do pré-consciente".
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No outono de 1946, "momento mais miserável da crise europeia do pós-guerra", escreve Sloterdijk nas Regras para o parque humano, no outono de 1946, portanto, Heidegger escreveu seu célebre artigo sobre o humanismo - "um texto que também se poderia entender, à primeira vista, como uma carta mais longa a amigos". A carta de Heidegger é uma resposta a Jean Beaufret, que questionava: "como devolver sentido à palavra humanismo?". Não é preciso, afirma Heidegger, pelo contrário: o humanismo, ao longo de dois mil anos, desviou o homem de sua essência através de vários subterfúgios metafísicos. A essência do ser, para Heidegger, está para além do homem como "animal racional" (a expressão subestima o valor do ser, segundo Heidegger). Para ele, escreve Sloterdijk, "a essência do ser humano não pode jamais ser expressa em uma perspectiva zoológica ou biológica, mesmo que a ela se acresça regularmente um fator espiritual ou transcendente". Nesse ponto, continua Sloterdijk, "Heidegger é inexorável, caminhando entre o animal e o ser humano como um anjo colérico com espada em riste para impedir qualquer comunhão ontológica entre ambos" (Regras para o parque humano, tradução de José Oscar Marques, Estação Liberdade, p. 25). 

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