sábado, 6 de julho de 2013

A casa e o retorno

"Ló deixa Sodoma", Liber Chronicarum, 1493
1) No que diz respeito à questão da casa, da morada, é impossível ignorar esse aspecto da possibilidade de retorno. Que é justamente a perspectiva dada por Jacques Derrida em sua longa exposição sobre os sapatos de Van Gogh, ou seja, a exposição que oscila entre Heidegger e Meyer Schapiro, entre a ideia dos sapatos genéricos, que simbolizam a terra e a técnica, ou os sapatos como memória material da inquietude e do exílio. Não faz parte do horizonte teórico de Heidegger a possibilidade de aniquilamento da morada - esse aniquilamento da construção é o que permanece suspenso em Kafka, ao infinito; e é esse aniquilamento que Blanchot experimenta diante do pelotão de fuzilamento dos nazistas.
2) Em entrevista recente, Aleksandar Hemon fala de Bruno Schulz: "um judeu polonês que passou a vida inteira em um mesmo vilarejo que, devido aos conflitos da primeira metade do século XX, pertenceu a cinco países diferentes". Para qual casa retornava Bruno Schulz (como quando voltou da única viagem que fez a Paris, em 1938)? Uma casa que no fim já não era mais sua, estava ocupada. A morada de Schulz, depois de sua morte, ultrapassou o ponto possível de restituição - foi diluída, sua localização é fantasmática. A glosa dessa impossibilidade de retorno à casa de Schulz foi feita por seu leitor fiel, Danilo Kis, em Um túmulo para Boris Davidovitch
3) Por essa perspectiva, não deixa de ser irônico o fato de Nabokov ter passado seus últimos anos de vida em um hotel - que é, potencialmente, a casa de qualquer um, mas, no fim das contas, não é casa de quem quer que seja. Ou talvez essa perspectiva possa lembrar também aquela passagem de Walter Benjamin sobre Baudelaire fugindo dos credores e morando em mais de 14 endereços diferentes - "entre 1842 e 1858, Crépet conta catorze endereços parisienses de Baudelaire" (Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo, tradução de José Carlos M. Barbosa, Brasiliense, 1989, p. 45).  

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