quarta-feira, 19 de junho de 2013

Auerbach lendo Vico

Manuscrito de Scienza Nuova
1) Um bom exemplo dessa filologia dos comentários está no ensaio de Erich Auerbach sobre Giambattista Vico, "Vico e o historicismo estético" (Ensaios de literatura ocidental, p. 341-356). O que está em jogo na argumentação de Auerbach é o assombro diante daquilo que Vico alcançou em termos metodológicos e, principalmente, em termos de audácia e inventividade de ideias. Segundo Auerbach, Vico antecipou uma série de procedimentos que só viriam à tona historicamente com os românticos alemães - o principal desses procedimentos é justamente o tal "historicismo estético", que estabelece uma espécie de mobilidade do juízo, ou seja, "uma investigação das formas históricas e estéticas particulares", uma "tentativa de compreendê-las a partir de suas próprias condições de crescimento e desenvolvimento" e "uma rejeição dos sistemas estéticos baseados em padrões absolutos e racionalistas".
2) Sem qualquer tipo de contato com os elementos que, segundo Auerbach, tornaram tal cenário possível (Shaftesbury e Rousseau, "a tendência vitalista de certos biólogos do século XVIII", a poesia sentimental francesa e inglesa, "o culto de Ossian e o pietismo alemão"), Vico antecipou em pelo menos cinquenta anos a revolução historicista. "Ele nem sequer conhecia Shakespeare", escreve Auerbach. Vico era "um velho professor solitário da Universidade de Nápoles", que durante toda a vida "ensinara figuras de retórica latina e escrevera louvações hiperbólicas para vários vice-reis napolitanos e outras personalidades importantes". E quando finalmente decide escrever suas ideias tão inovadoras, o faz em um estilo difícil, com uma "atmosfera barroca" que cobria o livro "com uma nuvem de impenetrabilidade". 
3) Os poucos alemães que, na segunda metade do século XVIII (Vico morreu em 1744), chegaram a encostar na Scienza nuova, "não conseguiram reconhecer sua importância" (Goethe entre eles). E é aqui que entra a filologia dos comentários, quando Auerbach escreve que "esforços contínuos de estudiosos modernos para estabelecer um elo entre Vico e Herder revelaram-se bem-sucedidos depois de Robert T. Clark mostrou a probabilidade de que Herder tenha encontrado inspiração, para algumas de suas ideias sobre a língua e a poesia, nas notas de Denis à tradução alemã de Macpherson. Denis apropriara-se das notas de Cesarotti, um tradutor italiano de Ossian que estava familiarizado com as ideias correspondentes de Vico". Ou seja, Herder poderia ter tido contato com as ideias de Vico através das notas de Denis aos escritos de um terceiro que, esse sim, teria lido Vico diretamente. No parágrafo seguinte, Auerbach descarta a hipótese como excessivamente especulativa.  

4 comentários:

  1. aliás, existe um belo estudo do isaiah berlin sobre as relações entre vico e herder. saiu umas décadas atrás pela ed. da unb - muito bonito :-)

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    1. que legal, denise, obrigado pela dica. não conhecia esse livro - está uma fortuna na estante virtual, mas vi que tem um exemplar aqui na biblioteca da universidade, vou atrás hoje mesmo.

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  2. O Alfredo Bosi também escreveu alguns artigos interessantes sobre o Vico na Revista Discurso, um deles o: http://filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp.br/files/publicacoes/Discurso/Artigos/D3/D03_O_ser_e_o_tempo_da_poesia.pdf

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