terça-feira, 7 de maio de 2013

Flaubert, panorama, montagem

Panorama em construção, Paris, século XIX
1) Naquele artigo de Proust sobre Flaubert, comentado recentemente por aqui por conta da entrevista de Jean Echenoz, existe outro ponto interessante além da discussão sobre o uso de um advérbio em Herodíade. "Na minha opinião", escreve Proust, "a coisa mais bela da Educação sentimental não é uma frase, mas um espaço em branco". A forma como Flaubert, em última instância, lida com o tempo dentro da narrativa, é disso que fala Proust. A forma como Flaubert corta e monta os fatos, as imagens, as sensações e, através disso, faz ficção. Carlo Ginzburg também comenta esse procedimento de Flaubert em um ensaio reunido em Relações de força - intitulado justamente "Decifrar um espaço em branco".
2) Assim como acontece no El factor Borges de Alan Pauls - no qual um crítico hoje completamente esquecido, Ramón Doll, é resgatado em sua miopia e seu juízo de época revalorado -, também no ensaio de Ginzburg se apresenta uma discussão de uma resenha da Educação sentimental no "calor da hora". Em Pauls, Ramón Doll é aquele que denuncia Borges como um escritor de "segunda mão", a quem falta "criatividade". Em Ginzburg, quem retorna do arquivo é Édmond Scherer, que denunciou o romance de Flaubert como "excessivamente fragmentário" (o mesmo crítico, informa Ginzburg, escrevera sobre Baudelaire alguns meses antes, com igual incompreensão). Pois Scherer tocou em algo fundamental em Flaubert: a descontinuidade, a montagem, as elipses, a eloquência do silêncio, "os espaços em branco".
3) Talvez isso tenha relação com aquilo que foi dito acerca do "crânio de Flaubert" e seu desejo de tudo abarcar, de "saber de cor", de ver todo seu romance com um só olhar. Pois somente tal controle sobre a totalidade permite a decomposição radical que surge em sua ficção. A "fragmentação excessiva" de Flaubert só pode emergir da maníaca convivência e resolução do e com o todo. E Ginzburg frisa como isso se dá no estilo de Flaubert, em suas soluções formais - a dissolução de uma cena de sonho em uma abrupta chamada da realidade, a sobreposição entre o interior de uma peça e o exterior do boulevard, etc. Ginzburg cita as Passagens de Walter Benjamin, a parte sobre os panoramas, mostrando que o trabalho de montagem de Flaubert na ficção envolve também uma glosa daquilo que a técnica mostrava em seu tempo - a aceleração do tempo nos dioramas e nas fotografias.  

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