quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os leitores

1) Não é segredo que As palavras e as coisas, o livro que Michel Foucault publicou em 1966, é uma extensa e obsessiva glosa do conto de Borges, "El idioma analítico de John Wilkins" (que faz parte da coletânea Otras inquisiciones, de 1952). "Este livro nasceu de um conto de Borges", escreve Foucault na primeira frase de seu prefácio. "Esse texto de Borges fez-me rir durante muito tempo", continua ele, mais adiante, "não sem um mal-estar evidente e difícil de vencer. No seu rastro nascia a suspeita de que há desordem pior que aquela do incongruente; seria a desordem que faz cintilar os fragmentos de um grande número de ordens possíveis na dimensão do heteróclito".
2) Como esse conto chegou nas mãos de Foucault? Roger Caillois conheceu Borges e a equipe da revista Sur quando estava exilado em Buenos Aires durante a II Guerra. Quando voltou à França, convenceu a Gallimard a publicar Ficciones (que saiu na tradução de Paul Verdevoye e Nestor Ibarra em 1951). No ano seguinte, Caillois traduziu uma antologia de textos de Borges, publicada sob o título Labyrinthes. Em 1955, Les Temps Modernes (a revista de Sartre) publicou oito ensaios de Borges. E, finalmente, em 1957, novamente pela Gallimard, sai o livro Enquêtes - justamente a versão francesa de Otras inquisiciones (traduzida por Paul Bénichou e sua filha Sylvia - que mais tarde se casaria com o grande escritor Jacques Roubaud). Foi aí que Foucault conheceu o John Wilkins de Borges.
3) Em 1963, Foucault publica pela Gallimard seu livro sobre Raymond Roussel. Algum tempo depois, envia o manuscrito de As palavras e as coisas para Georges Lambrichs, seu contato na editora. O manuscrito termina nas mãos de Caillois, que escreve uma carta calorosa a Foucault (o ponto de contato entre eles foi Dumézil). Caillois fez o manuscrito circular mais um pouco: enviou a Maurice Blanchot, que gostou muito do trabalho (os dois faziam parte da comissão de um prêmio). Blanchot já era um leitor antigo de Borges: em janeiro de 1958, publica na Nouvelle Revue Française (n. 61, edição que trazia também Heidegger e Cioran) o artigo "L'Infinit et l'Infinit" - um cruzamento de Henri Michaux e Borges (mas que coloca a maior parte da ênfase sobre esse último, comentando especialmente Pierre Menard, "Kafka e seus precursores" e o aleph - a versão reformulada desse texto faz parte de O livro por vir).           

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