domingo, 23 de dezembro de 2012

A eucaristia da leitura, 1

1) Quando decide ser mais específico, George Steiner deixa claro que condena o "comentário de circunstância", a nota jornalística rasa, que torna a experiência de leitura rala e insípida, homogênea e banal. Somente o exercício filológico exaustivo pode romper esse círculo vicioso - uma "degeneração" que, segundo Steiner (especificamente em seus textos sobre Heidegger), vem de longe, sendo enunciada de forma inicial por Spengler e aprimorada pelo Heidegger de Ser e Tempo 
2) A mediação crítica pode muito bem atingir uma potência estética de vasta proporção - e é precisamente isso que Carlo Ginzburg tem a dizer sobre Minima Moralia, de Adorno, e sobre Os Reis Taumaturgos, de Marc Bloch, por exemplo. No entanto, uma obra-prima crítica é, no fim das contas, tão (ou mais) rara quanto uma obra-prima no campo da criação literária, e é precisamente a divisão entre os campos (crítica, criação) e a possibilidade de valoração (obra-prima, apenas-mais-uma) que está e estará sempre em jogo em qualquer comentário.  
3) Talvez seja historicamente impossível voltar atrás, em direção a uma fruição pura e simples do texto literário, da obra de arte - seria uma espécie de anacronismo ingênuo, e não o anacronismo deliberado e produtivo de Borges e Warburg, por exemplo, que anacronizam o presente tornando-o contemporâneo de fragmentos esparsos do arcaico. De resto, aquilo que há de mais instigante na literatura contemporânea (aquilo que, paradoxalmente, melhor nutre o gozo da leitura, a "eucaristia" da leitura) envolve justamente o corte oblíquo de temporalidades e uma tendência à montagem anárquica das referências (Parmênides, de César Aira, e HHhH, de Laurent Binet).

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