segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O crítico como ridículo, 1

Todorov já falou do crítico como criminoso e David Markson, em sua apropriação de uma declaração de Harold Bloom, esboçou aquilo que poderia ser considerado o crítico como ridículo, como figura da soberba. Voltando ao início, voltando a Todorov, uma passagem de A literatura em perigo que mostra como a mesma imagem - a cena de leitura, a cena do leitor que lê de forma ininterrupta - pode ser deslocada, ressignificada:
Por mais longe que remontem minhas lembranças, sempre me vejo cercado de livros. Como meus pais eram ambos bibliotecários, havia sempre muitos livros em minha casa. Logo aprendi a ler e comecei a devorar os textos clássicos adaptados para jovens, As mil e uma noites, os contos os irmãos Grimm e de Andersen, Tom Sawyer, Oliver Twist e Os miseráveis. Um dia, aos oito anos, li um romance inteiro; devo ter ficado muito orgulhoso com o fato, pois escrevi em meu diário: "Hoje, li Sobre os joelhos do meu avô, livro de 223 páginas, em uma hora e meia!"
Tzvetan Todorov. A literatura em perigo. DIFEL, 2009, p. 15.
Se Markson ridicularizava Bloom por conta do apelo midiático e performático de sua declaração, não é possível fazer o mesmo com a inocente anotação de uma criança de oito anos - ainda que se trate rigorosamente do mesmo conteúdo, do mesmo procedimento de quantificação da leitura. Como o Atlas, figura simultânea do saber sem fronteiras e do sofrimento sem medidas, o leitor ininterrupto é também uma imagem dialética: oscila entre a soberba e a inocência, entre o momento mágico da descoberta e o mecânico gesto da leitura técnica.

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