terça-feira, 9 de outubro de 2012

Um parágrafo de Joseph Roth

Velázquez, Los borrachos, c. 1629
1) A abertura de Confissão de um assassino, o "romance russo" de Joseph Roth, publicado em 1936: "Eu morava já há alguns anos na rue des Quatre-Vents. Diante das minhas janelas estava o restaurante russo Tari-Bari. Com frequencia comia ali". O romance de Roth é sobre o tempo, ou melhor, sobre o uso que a ficção pode fazer da percepção do tempo - um uso que, no caso de Roth, é magistral (como em Joyce e Faulkner, mas com um estilo mais próximo da fluidez de Stendhal ou Leskov).
2) Já o primeiro parágrafo anuncia, numa série de detalhes, que o manejo do tempo ocupa o centro das atenções: no Tari-Bari, escreve Roth, "a qualquer hora do dia se podia comer uma sopa, um peixe frito ou um cozido de carne". Ali não havia o respeito restrito pelo tempo que havia nos restaurantes franceses: "no restaurante russo o tempo não tinha importância". O relógio, preso na parede, "às vezes parado, às vezes marcando errado".
3) É claro que as figuras reunidas no Tari-Bari acompanham esse descompasso: vagabundos, exilados, desterrados e desempregados em geral, marcando posição contrária ao ritmo de vida que corre do lado de fora. O narrador de Roth não é russo - mas entende a língua  (assim como Franz Tunda, de Fuga sem fim, passou alguns anos no interior da Rússia depois da I Guerra Mundial). A confissão dura uma noite inteira, tanto e tão pouco, e Joseph Roth dilata e comprime o tempo da narrativa como se fosse de argila, como se fosse fácil.   

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