quinta-feira, 19 de abril de 2012

As coisas que chamam, 1

Ao folhear um livro ilustrado sobre os manuscritos do Mar Morto, certa tarde, topou com algumas fotografias de coisas que tinham sido desenterradas junto com os textos em pergaminhos: pratos e utensílios para comer, cestos de palha, potes, jarras.
Todos absolutamente intactos.
Examinou‑os com todo cuidado durante vários minutos, sem compreender de forma alguma por que achava tais objetos tão fascinantes, e então, depois de mais alguns momentos, finalmente ele se deu conta. Os desenhos decorativos dos pratos eram idênticos aos desenhos dos pratos na vitrine da loja do outro lado da rua, em frente ao prédio onde ele morava. Os cestos de palha eram idênticos aos cestos que milhões de europeus usam hoje em dia para fazer compras. As coisas nas fotografias tinham dois mil anos de idade e, no entanto, pareciam completamente novas, completamente contemporâneas.
Tal foi a revelação que modificou seu pensamento a respeito do tempo humano: se uma pessoa de dois mil anos atrás, morando num remoto posto avançado do Império Romano, podia conceber um utensílio doméstico que parecia exatamente igual a um utensílio doméstico de hoje em dia, como é que a mente, o coração ou o interior daquela pessoa podiam ser diferentes dos dele mesmo?

Paul Auster. Sunset Park
Tradução de Rubens Figueiredo. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 70.

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