domingo, 29 de janeiro de 2012

O espelho de Warburg

1) O historiador da arte Fritz Saxl, durante um discurso proferido, em dezembro de 1929, em homenagem a Aby Warburg, conta que o professor costumava mostrar aos seus alunos um espelho. Saxl define o momento como "inesquecível": quando Warburg lhe mostrou esse pequeno espelho etrusco, com uma representação de Prometeu. Os braços de Prometeu estão seguros no alto, pelas mãos de dois homens. "A semelhança com o suplício de Cristo", escreve Saxl, "é comovente" - e continua: "lá onde a Antiguidade formou a expressão para o mais profundo sofrimento, ela voltou a ser operante na vida de um novo tempo". O pequeno espelho servia a Warburg como uma espécie de lição material - um objeto que, com um gesto, lhe permitia introduzir o interminável tópico das sobrevivências e dos fluxos de retorno temporal dos traços que formam as imagens, os símbolos e suas leituras a cada época da história (como a foto do suplício chinês na mesa de trabalho de Bataille).
2) Warburg era um intelectual da virada do século XIX para o século XX que se ocupava, basicamente, de responder a seguinte pergunta: qual o significado que a Antiguidade assume para o artista do Renascimento? O trabalho torna-se um jogo de espelhos, de sombras, dentro de um abismo que só se multiplica: demônios arcaicos do Egito são rastreados na iconografia grega; uma iconografia que invade, por sua vez, a Europa - e que viaja à Ásia e à Índia depois de deixar o porto de Veneza ou o porto de Gênova, retornando logo em seguida para a Espanha Moura e alcançando, pela segunda vez, devidamente impura e transformada, a Itália da Alta Idade Média.
3) O espelho etrusco de Warburg aparece também no quarto painel de seu Atlas Mnemosyne, sua grande obra inacabada que mostra, diretamente a partir de imagens, o confronto que existe entre esses traços sobreviventes de vários tempos. O painel de número quatro está dedicado à violência, vitória e sofrimento entre céu e terra. São duas imagens do espelho, na parte inferior do painel. Prometeu, escolhido por Warburg como fonte primitiva da representação pictórica do suplício de Cristo (Salvatore patiens, o paciente Salvador), está na companhia de Páris - aquele que raptou Helena -, Faetonte e uma série de figuras relacionadas à guerra de Tróia. Com a junção desses elementos, Warburg procurava analisar as diferentes técnicas artísticas envolvidas na representação do sofrimento humano, do contato entre deuses e homens, as batalhas, os raptos e as agressões, em suma, a expressividade humana em um grau superlativo.

2 comentários:

  1. Olha só como a vida é. Você escreve sobre Warburg, espelhos e a Antiguidade e esquece, especialmente por causa de nossos últimos assuntos, eu percebi, de que se trata da Antiguidade pagã, e não qualquer antiguidade. É certo que se pode dizer que, de um certo ponto de vista, toda antiguidade é pagã, mas para isso é preciso explcitar qual é o ponto de vista que abraça tudo assim, se abraça, e como é que o espelho faz jogo. De espelhos.

    Em um tópico não relacionado com o anterior, eu fiz um jogo, de espelhos, com o Google Translator, esse eterno desastrado. Joguei "heidnischen", que é, você sabe, sinônimo de pagão. Como os alemães adoram colar palavras e eu não sei de nada, não entendo o alemão, comecei a cortar a palavra tentando ver se havia colagem. Daí, redigi "heid nischen". Peço que dê uma olhada no resultado, porque duvido que não lhe dê mil e duas outras idéias.

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    1. haha esse jogo de espelhos com o google translator foi realmente bom... Do pagão para o apartheid. Eu não tenho nada de útil a dizer sobre isso - só imagino o que o Coetzee poderia dizer, ele sim íntimo do alemão.

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