quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Berlim, 8 de setembro

1) Foi num dia como hoje, 8 de setembro, que Alfred Döblin começou a publicar Berlin Alexanderplatz, sua versão do Ulysses de Joyce. Rigorosamente um dia como hoje, uma versão anterior do dia de hoje: 8 de setembro de 1929. Berlin Alexanderplatz é publicado como folhetim no Frankfurter Zeitung, o histórico jornal que, além de Döblin, abrigou os textos de Walter Benjamin, Siegfried Kracauer, Adorno, Sándor Márai, Joseph Roth, entre outros. Não é fantasia, então, imaginar que talvez todos esses homens tenham lido Berlin Alexanderplatz no calor da hora, acompanhando de 8 de setembro até 11 de outubro o desenvolvimento da história caótica de Döblin.
2) Que espécie de sortilégio do tempo faz alguém ler Berlin Alexanderplatz exatamente no dia em que tudo começou, 82 anos depois? Borges um dia disse: a eternidade é todos os nossos ontens, todos os ontens de todos os seres conscientes, todo o passado, que não se sabe quando começou; e também todo o presente, o tempo presente que abarca todas as cidades, todos os mundos, o espaço entre os planetas; e também o futuro, ainda não criado, mas que também existe. Dentre todos os dias possíveis, alguém pode pegar Berlin Alexanderplatz para ler justamente num 8 de setembro, tentando imaginar a sensação do contato com o papel do jornal, em 1929, talvez diante da própria Berlin Alexanderplatz, granito e ferro batido.
3) Veja a foto: foi tirada em Berlim, no ano de 1929, por Willy Pragher. O que a mulher está lendo? O Frankfurter Zeitung deve estar por ali, em algum lugar. A mulher faz pose para o fotógrafo. Não está agasalhada, mas usa mangas longas. Talvez seja setembro. O metrô em Berlim é recente: começou a ser construído no ano anterior. Em 1929, Joseph Roth publica Rechts und Links [Direita e Esquerda], um romance sobre a entrada de um homem traumatizado no submundo alemão, uma frase que poderia definir também o romance de Döblin. Em 1929, Walter Benjamin prepara seu divórcio, Gramsci é preso, Adorno começa a escrever sua tese sobre Kierkegaard e Habermas está nascendo.

6 comentários:

  1. que bonito. e como é fenomenal ver como as coisas são concretas antes de adquirir aura, sejam quais forem as coisas, seja qual for a aura.

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  2. Que bom que vc gostou, Denise. Foi isso que vc falou que me impressionou enquanto lia o livro, e principalmente depois que descobri a divulgação inicial como folhetim: esse monumento literário já foi cotidiano, já dividiu o espaço de um jornal com anúncios de meias de seda para moças e tônicos capilares, etc. Esse tipo de coisa, depois de 80 anos, some. Mas não devia sumir: é o que dá Vida à Literatura.

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  3. Todos os meus ontens são do Joyce.

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  4. Döblin sempre insistiu que, ao escrever Berlin, tinha lido Joyce muito pouco. Não precisamos de Ulysses para ler Berlin, de qualquer forma.

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  5. bingo! nem para ler quase nenhuma outra coisa, by the way

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  6. Será uma das minhas próximas leituras (uma lista de calhamaços), e fiquei aqui pensando em como deve ter sido lê-lo assim em folhetim.

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