domingo, 14 de agosto de 2011

Mesmer surrealista

1) Robert Darnton tem um livro muito bacana sobre o mesmerismo, chamado O lado oculto da revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na França [traduzido pela incansável e brilhante Denise Bottmann, editado pela Companhia das Letras em 1988]. Gostei de tudo que li do Darnton - especialmente O beijo de Lamourette. Esse livro sobre Mesmer ganha especial interesse por conta dos pontos possíveis de contato com o livro de Bolaño, Monsieur Pain, de que falei aqui.
2) Darnton, ainda no início, apresenta uma descrição dos ambientes que Mesmer criava para suas curas e tratamentos - uma cenografia cuidadosamente arquitetada para produzir, já de imediato, efeitos sobre os corpos. No interior da clínica de Mesmer, escreve Darnton, tudo era destinado a provocar uma crise no paciente. Alguns dos elementos presentes no local: tapetes espessos, cobrindo chão e paredes; grossas cortinas nas janelas; "misteriosas decorações astrológicas" criando uma atmosfera de "conhecimento oculto"; gritos e risos histéricos; espelhos estrategicamente colocados, refletindo a luz sombria e controlada; música suave, tocada em instrumentos de sopro, num piano ou na "harmônica de vidro" [um instrumento muito esquisito que Mesmer ajudou a introduzir na França].
3) O que Mesmer fazia [e fazia escondido, fazia sem dizer a ninguém como fazia, já que Darnton também escreve que muitas centenas de franceses experimentavam suas maravilhas, mas poucos compreendiam-nas plenamente, pois Mesmer sempre conservou para si mesmo os principais segredos de sua doutrina] funcionava como uma instalação, com mais de cem anos de antecedência, um arranjo de elementos visando interferir sobre o máximo possível de sentidos. Mesmer, com seus fluidos, gases invisíveis e diagramas de influências, contra-estímulos e circuitos elétricos, lembra Duchamp [os fios que levam da Noiva aos Celibatários, no Grande Vidro, a energia que percorre, de forma invisível, as rachaduras do vidro e os componentes metálicos, etc].
4) O procedimento do teatro mesmérico lembra aquele que o próprio Duchamp colocou em funcionamento na mostra First Papers of Surrealism, realizada em Nova York, em 1942. Ali, tudo era feito para provocar uma crise no observador: era preciso abandonar a banalidade retiniana e alcançar o espaço [e as relações entre as obras] com todos os sentidos. Para garantir a obstrução da visão, Duchamp colocou mais de um quilômetro de barbante entre as obras, criando um labirinto, causando mudos gritos histéricos, conspurcando o fino interior burguês com a aleatoriedade do jogo e da ironia.

6 comentários:

  1. Sabe, Kelvin. Desse jeito, vou dar a minha pesquisa pra você fazer. Você acabou de me lembrar de algo muito importante e que estava deixando de lado, mesmo tendo escrito sobre o tema (no artigo sobre Jean Rouch): tentar o corpo como uma linhagem fenomenotécnica das ciências morais européias - o que incluiria a arte de vanguarda e algumas formas de terapia.

    Na verdade, o que eu queria escrever é simplesmente: obrigado.

    ResponderExcluir
  2. (é só lembrar a ressonância forte entre o "aparelho" de Mesmer e a orquestra presente nas séances de mesas voadoras.)

    ResponderExcluir
  3. A parte que acho mais interessante no comentário do Refrator é um momento em que me sinto totalmente de acordo com ele - é quando ele diz "obrigado".

    ResponderExcluir
  4. Vocês são muito generosos. O post foi completamente improvisado e se há algum mérito nele é o de não levar-se a sério. Vcs já viram as fotos daquela perfomance do Yves Klein em que duas mulheres nuas, com os corpos cobertos de tintas, deslizam por uma superfície branca ao som de violinos e violoncelos? Aquilo é lindo e circula por esse cenário de que estamos falando aqui.

    ResponderExcluir
  5. "O post foi completamente improvisado", você diz. Numa pequena dissertação em tópicos sobre Mesmer Surrealista, você só pode estar brincando, nessa de humildade. Se foi de improviso e chegou a termo, é como deve ser feito - surrealismo enquanto procedimento.

    ResponderExcluir
  6. (o que me faz perguntar se ao mirar no inconsciente, Breton & Cia. não teriam feito melhor serviço se evocassem o louvor ao improviso E PONTO.)

    ResponderExcluir