quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Versões da violência

1) Alguns eruditos contemporâneos têm aproximado Anderson Silva, o lutador, que recentemente deslocou a mandíbula de Vitor Belfort em uma luta, ao escritor Don DeLillo. Compartilham a perfeição do estilo, a precisão dos golpes e, principalmente, a linha tênue que separa a audácia da morte.
2) Compartilham, também, a voracidade da imagem, e sabem que a escansão do tempo e do espaço - que encontramos nos movimentos de Anderson em câmera lenta e nas montagens narrativas de DeLillo - pode transformar a violência de certos movimentos em beleza e harmonia. Mas a beleza e a harmonia, no trabalho desses dois artistas, funcionam como um verniz transparente cuja função não é esconder os traços da violência - e sim distorcê-los, desnaturalizá-los.
3) Ainda que seja difícil apontar a razão, fica evidente que aquilo que Anderson Silva faz, ainda que seja, de fato, uma luta, está um passo além da luta; assim como DeLillo, misteriosamente, está um passo além da ficção, sem abrir mão de ocupar um lugar de destaque dentro dela.
4) Talvez luta e ficção estejam, inclusive, um passo além da vitória e da derrota - são processos lúdicos que encenam a morte, esvaziando a maldita da urgência irracional que provoca nos homens. Essa encenação só pode passar pelo corpo, pela exposição do corpo e de suas possibilidades, uma vez que a morte é uma transação corporal. O problema é que Anderson e DeLillo manejam corpos alheios nessa encenação - e a possibilidade de aniquilamento termina por contaminar todos os movimentos, em cada ângulo que se abre para o golpe.

Um comentário:

  1. Mais um superlativo.

    Se eu fosse seu orientador, mandava vc coletar isso, fazer uma introdução autoetnográfica, e mandar brasa. Isso sim seria ousado.

    ResponderExcluir