sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Coleção de areia

Estamos diante do último livro de Italo Calvino, Coleção de areia, publicado em 1984, um ano antes de sua morte. É uma coletânea de textos esparsos, dos mais variados tamanhos e sobre os mais variados assuntos: relatos de viagens e exposições, textos sobre literatura e linguagem, sobre autores específicos, sobre Idade Média e descobrimentos, coleções, máquinas, natureza e cultura. A edição da Companhia das Letras, que saiu em julho de 2010, acrescenta uma "Apresentação" que provavelmente apareceu nas reedições, depois da morte de Calvino, portanto. Trata-se de uma breve apresentação, escrita por Calvino, mas incluída sem assinatura na quarta capa da primeira edição. Um parágrafo curto, no qual Calvino escreve sobre sua obra (e sobre ele mesmo, na terceira pessoa) e revela, de forma muito sutil, um pouco de sua postura intelectual, uma mistura de leitor e escritor, arquivista e curioso. A primeira frase localiza no espaço seus últimos anos de produção: "De Paris, Italo Calvino envia de vez em quando ao jornal em que colabora um artigo sobre alguma exposição insólita" - o que remete a outra coletânea de esparsos publicada recentemente, Eremita em Paris. Ele envia "de vez em quando", quando encontra algo "insólito", quando capta alguma oscilação digna de nota no cenário intelectual. O que ele busca, contudo, é a possibilidade de "contar uma história por meio de um desfile de objetos", desde mapas e tabuletas até manequins e gravuras populares. Para Calvino (e também para Agamben, Vila-Matas, Duchamp e Walter Benjamin), a miniaturização é a cifra da história, e os objetos negligenciados dão acesso a esse enigma (por isso, teria sido excelente se a edição contasse com fotografias, fazendo das andanças de Calvino um par possível para as andanças de Sebald (e também de Canetti ou Claudio Magris, todos também carentes de iconografia)). Calvino fala que nos textos de Coleção de areia emergem "alguns traços da fisionomia do escritor", ou seja, ele está prestes a nos brindar com um autorretrato que, no gesto inicial de sua realização, omitia o próprio objeto. Ele traça sua fisionomia: "onívora curiosidade enciclopédica", "discreto afastamento de qualquer especialismo", "prazer de confiar as opiniões às entrelinhas", "meticulosidade obsessiva" e "contemplação desapaixonada da verdade do mundo". Uma política do pudor, exatamente como aquela que Benjamin via em Robert Walser. O percurso intelectual que, de repente, revela os traços do rosto de seu criador, como em Borges. Calvino diz que Coleção de areia é um inventário de "coisas vistas" - uma reflexão sobre o visível e sobre o próprio ato de ver, "incluído o ver da imaginação". Os traços da fisionomia do escritor também são encontrados no ponto mais distante de casa, e por isso Calvino termina a nota mencionando suas notas de viagens ao Irã, México e Japão.

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