terça-feira, 28 de setembro de 2010

Saer e os manuscritos

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1) A zona saeriana, concebida como trama de recorrências, é uma zona de migrações. Não são apenas os corpos que entram em movimento nessa zona (e eles de fato entram, do mais fundo buraco perdido da Argentina até as cidades mais lindas da Europa). Livros, poemas, revistas literárias, ideias filosóficas, versões da história, manuscritos: esses são os elementos que acompanham os corpos.
2) A pesquisa, em que 3 amigos, tomando cervejas na Argentina, discutem a história de um investigador da polícia de Paris, é armado a partir de um manuscrito lido por um deles (um manuscrito de um escritor argentino, Washington Noriega). As nuvens, que narra a jornada dos loucos pela planície no século XIX, é também armado a partir de um manuscrito - e há algumas notas do primeiro leitor, o leitor que encontrou o manuscrito, posicionadas ao longo do texto. O manuscrito de As nuvens é o livro que lemos - há uma parte breve, no início, que dá conta da conversa entre Soldi e Pichón e dá conta, também, da migração do manuscrito.
3) Um sujeito entra em contato com um manuscrito e conta para seus amigos o seu conteúdo. É um anacronismo: ele revive a tradição oral às avessas. A importância do manuscrito para a construção da ideia moderna de literatura: o Quixote, Anne Frank, a crítica genética, os arquivos, os livros de juventude queimados, as fichas de Barthes, as glosas bíblicas, os mapas tatuados em escalpos, o baú em Respiração artificial, o manuscrito encontrado em um bolso, de Cortázar. Há sempre um texto atravessado em outro, mesclando os registros, acumulando camadas.
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