segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O pé descalço

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Em seu livro “História noturna”, Carlo Ginzburg revela uma série iconográfica que percorre épocas e culturas as mais diversas tendo como ponto recorrente o pé descalço, ou ainda, um único pé descalço. A perda do sapato (da sandália, da meia) indica não só uma caminhada extensa como uma permuta com o mundo dos mortos – ou, pelo menos, uma viagem ao desconhecido que deixa como marca esse vazio. O pé descalço também se desdobra, simbolicamente, no manquejar, no coxear, na perda de um dos membros, nas deformações e nos ferimentos. Exemplos são inúmeros, que são interligados por uma argumentação e uma documentação absurdamente complexas: do calcanhar de Aquiles passando pela luta que Jacó, no Gênesis, teve com o anjo na beira do rio (da qual saiu coxo e com novo nome: Israel); Édipo e seus “pés inchados”, perfurados quando bebê para que não fugisse – Édipo que andava com bengala quando velho, manco exatamente como Tirésias, o adivinho (contato com o mundo dos mortos...); os guerreiros citas que calçavam um único pé (aquele que correspondia ao braço sem o escudo) na preparação para a batalha; a escapulomancia, adivinhação baseada na espádua do animal sacrificado, que, depois de ressuscitar, passa a coxear; Perseu, antes de combater a Górgona, recebe uma das sandálias de Hermes – e o mesmo acontece com Jasão; e, por último, Cinderela, que perde um sapato ao retornar do mundo superior do príncipe.
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Minha contribuição à série é a personagem Boo, do desenho “Monstros S.A”, que, ao entrar no mundo dos monstros, perde uma das meias.
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